Das coisas que nunca esqueci

Eu devia ter uns 13 ou 14 anos de idade, mas já tinha o tamanho que tenho hoje, ou seja: era um mangolão gordo adolescente, ao contrário do mangolão menos gordo de meia-idade que sou hoje, mas tergiverso.
O que aconteceu foi: eu estava indo para casa, e no caminho para a parada de ônibus passei por uma pessoa sentada na calçada, embaixo de uma árvore. Por motivos que apenas posso especular, esta pessoa veio tirar satisfações comigo, me acusando de ter feito cara feia quando passei por ele. Sendo míope e fotofóbico em um dia ensolarado, eu provavelmente fiz uma cara feia quando olhei pra pessoa, mas não foi nada pessoal. Nenhuma das minhas desculpas e nem meus argumentos foram suficientes para apaziguar o ânimo belicoso do rapaz, que repetia que eu devia "virar homem" e "ir treinar na academia". Ele encerrou sua apresentação com dois argumentos muito convincentes: um soco no peito e uma cotovelada na boca. Diante de retórica tão contundente, não me restou alternativa que não fosse sair correndo, apavorado. Eu não estava fisicamente machucado,não sei se por sorte, clemência ou falta de técnica de quem me bateu, mas eu nunca esqueci aquela sensação de pavor, de estar apanhando sem saber o porquê e não saber o que fazer e nem pra onde correr. Eu acabei parando na frente de uma videolocadora (jovens, perguntem pros seus pais) e a dona, que me conhecia, foi me perguntar o que tinha acontecido. Depois de me acalmar, fui pra casa por um caminho diferente, pensando nisso. Às vezes fico anos sem pensar nisso, mas ainda penso. Quem era aquela pessoa? O que é feito dela hoje? Por que ele fez aquilo? Às vezes eu penso como seria reviver aquele momento hoje, com anos acumulados de treinamento em artes marciais e raiva do mundo. Eu ia moer ele na porrada? Ele ia me matar com uma facada? Não ia acontecer nada pois ele é um covarde que atacou uma criança? Nunca saberemos, mas sem dúvida aquele foi um dos eventos que contribuiu com a morte da minha infância. Uma dentre tantas lembranças de que tem gente ruim no mundo.
Hoje em dia eu não consigo cruzar com outra pessoa na rua sem começar a imaginar cenários em que vou ser atacado. Minha cabeça já começa a pensar em estratégias de fuga e coisas em volta de mim que eu poderia usar como arma se fosse necessário. Talvez seja isso que me agrada tanto em treinar esportes de combate: eu não quero bater em ninguém, eu não torço que alguém queira brigar comigo pra poder me exibir e eu não sou uma pessoa agressiva, mas estar ali e saber que aquela pessoa vai tentar me bater é de certa forma tranquilizador, sem contar que é um ambiente seguro, com um oponente que não quer me machucar. Se eu estou na rua, é equilíbrio entre a ansiedade pelo ataque e a confiança de que eu não vou ser pego de surpresa como quando eu tinha 14 anos.

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