Otimismo, realismo e pessimismo
Eu nasci prematuro, de oito meses.
Nasci com um bom tamanho e bom peso, mas não nasci saudável: tive anemia, infecção hospitalar, icterícia e fiquei um tempo internado até ir pra casa.
Na infância, estava sempre com o nariz escorrendo por causa da rinite e era tão comum que eu ficasse doente que do alto dos meus 8-10 anos de idade falei pra minha mãe "nem precisa me levar no Dr. Menezes. Ele vai dizer que é virose." Essa anedota diz muito sobre mim, eu sei, mas mais importante é que este mesmo médico sempre me chamava de "Otimista". Mais ou menos nessa mesma época, eu perguntei o motivo deste apelido, e ele me explicou: apesar de todos os percalços quando nasci e nas outras vezes em que fiquei doente, ele notou que eu estava sempre sorrindo. Quando me perguntavam como eu estava, eu sempre dizia "Tudo bem!" Eu podia estar lá, com soro na testa, febre, minha mãe roendo os cotovelos, mas nem isso estragava o meu entusiasmo, eu seguia sorrindo e respondendo "Tudo bem!"
Além disso, eu era uma criança que falava.
MUITO.
Falava o que não devia.
Falava com estranhos.
Falava com bichos.
Eu falava tanto que um dia perguntei pra minha mãe, muito preocupado, se esta "falagem" que a gente tinha gastava. Ela me tranquilizou, e me explicou que não gastava. Meu irmão achou um grande erro na época, especialmente quando eu falava alguma coisa que causava embaraços na família. Na escola, era comum voltar com o boletim com boas notas (que poderiam ter sido melhores, se eu me esforçasse, admito) mas nas observações se lia: conversa demais. "Bom aluno, mas fala demais." Lembrando disso, eu fico pensando quando foi que eu fui pro outro lado do espectro e comecei a ganhar o rótulo de calado, de quieto, de pessimista. Não posso afirmar que foi o fator principal, mas certamente os abusos na escola contribuíram para isso. Estar acima do peso. Usar óculos. Não ter vergonha de expressar afeto. Ter atitudes "de viado". Tudo é motivo pra chacota, pra humilhação, pra escárnio. Eu só queria ser invisível. Meu sonho era poder ir pra escolar e passar de ano sem que ninguém notasse que eu estava lá. Toda interação era analisada previamente, com todas as possibilidade de humilhação sendo consideradas. No recreio, eu ia pra biblioteca ler. Era uma garantia de que não ia ter ninguém por perto. Quando eu li literalmente todos os livros da biblioteca, a diretora me expulsou da biblioteca. Eu não podia ficar lá sem estar lendo, então comecei a levar livros de casa, mas ainda assim não podia ficar lá, pois eu precisava "socializar". Essa pedagogia foi muito bonita até o dia que eu levantei um colega pelo pescoço e bati a cabeça dele na parede depois que ele ficou semanas me provocando até eu perder a paciência. "Vai fazer o que, gordo? Me bater?"
Pois é. Bati. Me trocaram de turma.
Gracas a Baphomet eu nunca mais vi nem tive notícias de nenhum dos meus colegas de colégio. Essas lembranças me fazem pensar naquela situação hipotética que todos já consideraram: "imagina ser criança com o que eu sei hoje".
Acho que eu preferia ser adulto com o otimismo e o desapego social de quando eu era criança.
Nasci com um bom tamanho e bom peso, mas não nasci saudável: tive anemia, infecção hospitalar, icterícia e fiquei um tempo internado até ir pra casa.
Na infância, estava sempre com o nariz escorrendo por causa da rinite e era tão comum que eu ficasse doente que do alto dos meus 8-10 anos de idade falei pra minha mãe "nem precisa me levar no Dr. Menezes. Ele vai dizer que é virose." Essa anedota diz muito sobre mim, eu sei, mas mais importante é que este mesmo médico sempre me chamava de "Otimista". Mais ou menos nessa mesma época, eu perguntei o motivo deste apelido, e ele me explicou: apesar de todos os percalços quando nasci e nas outras vezes em que fiquei doente, ele notou que eu estava sempre sorrindo. Quando me perguntavam como eu estava, eu sempre dizia "Tudo bem!" Eu podia estar lá, com soro na testa, febre, minha mãe roendo os cotovelos, mas nem isso estragava o meu entusiasmo, eu seguia sorrindo e respondendo "Tudo bem!"
Além disso, eu era uma criança que falava.
MUITO.
Falava o que não devia.
Falava com estranhos.
Falava com bichos.
Eu falava tanto que um dia perguntei pra minha mãe, muito preocupado, se esta "falagem" que a gente tinha gastava. Ela me tranquilizou, e me explicou que não gastava. Meu irmão achou um grande erro na época, especialmente quando eu falava alguma coisa que causava embaraços na família. Na escola, era comum voltar com o boletim com boas notas (que poderiam ter sido melhores, se eu me esforçasse, admito) mas nas observações se lia: conversa demais. "Bom aluno, mas fala demais." Lembrando disso, eu fico pensando quando foi que eu fui pro outro lado do espectro e comecei a ganhar o rótulo de calado, de quieto, de pessimista. Não posso afirmar que foi o fator principal, mas certamente os abusos na escola contribuíram para isso. Estar acima do peso. Usar óculos. Não ter vergonha de expressar afeto. Ter atitudes "de viado". Tudo é motivo pra chacota, pra humilhação, pra escárnio. Eu só queria ser invisível. Meu sonho era poder ir pra escolar e passar de ano sem que ninguém notasse que eu estava lá. Toda interação era analisada previamente, com todas as possibilidade de humilhação sendo consideradas. No recreio, eu ia pra biblioteca ler. Era uma garantia de que não ia ter ninguém por perto. Quando eu li literalmente todos os livros da biblioteca, a diretora me expulsou da biblioteca. Eu não podia ficar lá sem estar lendo, então comecei a levar livros de casa, mas ainda assim não podia ficar lá, pois eu precisava "socializar". Essa pedagogia foi muito bonita até o dia que eu levantei um colega pelo pescoço e bati a cabeça dele na parede depois que ele ficou semanas me provocando até eu perder a paciência. "Vai fazer o que, gordo? Me bater?"
Pois é. Bati. Me trocaram de turma.
Gracas a Baphomet eu nunca mais vi nem tive notícias de nenhum dos meus colegas de colégio. Essas lembranças me fazem pensar naquela situação hipotética que todos já consideraram: "imagina ser criança com o que eu sei hoje".
Acho que eu preferia ser adulto com o otimismo e o desapego social de quando eu era criança.

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